Pernambuco e Ceará sempre dividiram o título de precursor do ritmo que ficou conhecido popularmente como forró. O pernambucano de Exu, Luiz Gonzaga, e o cearense de Iguatu, Humberto Teixeira, foram autores de músicas que descreviam tanto a seca e a fome da região quanto as belezas do sertão nordestino. O clássico “Asa branca”, de autoria dos dois, representa bem isso. Agora, músicos cearenses atribuem esse pioneirismo a outro artista.
iG
O primeiro registro fonográfico de um forró teria sido feito por um violeiro. Em outubro de 1937, Xerêm gravou "Forró na roça". Apesar de ser cearense, essa foi a única canção do estilo gravada pelo cantor. Xerêm partiu adolescente para Minas Gerais, formou dupla caipira e virou cantor de moda de viola.
Em comemoração ao centenário de nascimento do cantor e compositor, a Associação Cearense do Forró reivindica para o Ceará o pioneirismo do ritmo. Um disquinho de cera que pertence ao acervo do pesquisador musical Miguel Ângelo de Azevedo seria a prova documental de que o cearense gravou um forró 12 anos antes de Luiz Gonzaga gravar "Forró do Mané Vito" e em pouco tempo popularizar seu jeito diferente de tocar a sanfona.
Violeiro no forró
O pesquisador chama a atenção para um ponto curioso dessa história. Xerêm não era um legitimo forrozeiro. Longe disso, ele era um cantor de moda de viola caipira. Cedo ele foi viver em Minas Gerais com os pais e lá adquiriu novas referências musicais. “Essa música da década de 30, na verdade, nem era o forró que se tocava na época. Era uma levada de que o Xerêm se lembrava do tempo em que vivia no Ceará, na década de 20”, conta o pesquisador.A partir de 1926, Xerêm se apresentou em circos e teatros pelo Brasil integrando
a Trupe de Crianças Pequenas Edson, formada por seu pai. Em 1937 foi para o Rio de Janeiro com a irmã Nadir, com quem formou a dupla Xerém e Tapuia. Eles gravaram dois discos e chegaram a se apresentar na Rádio Tupi. Mesmo Xerêm sendo, na verdade, um violeiro caipira, a Associação Cearense do Forró, quer registrar o forró como patrimônio intelectual e imaterial do povo brasileiro, criado a partir da gravação de ´Forró na roça´, pelos cearenses Xerêm e Tapuia, em 1937.
Luiz Gonzaga, o rei do baião - e do forró
O diretor do Memorial Luiz Gonzaga de Recife, Mauro Alencar, ouviu pela primeira vez a música "Forró na roça" a pedido da reportagem do iG. Para o pernambucano pesquisador da música popular nordestina, a canção só tem “forró” no título. “Isso não é forró nem baião. É música mineira, lembra o calango, ritmo mineiro dos ‘bão’”, ironiza.
O estilo musical que se convencionou chamar forró sequer é considerado de fato um gênero por muitos músicos e pesquisadores. A palavra, na verdade, seria uma corruptela de uma expressão lusitana. “Tem várias teorias. Eu vou com a que a palavra vem de forrobodó, que quer dizer baile popular. Em Portugal é assim que eles chamam as festas populares, que é exatamente o que chamamos as nossas festas, de forró”, defende Mauro Alencar.O pesquisador explica que o ritmo a que atribuem o nome de forró é o baião, criado por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. “O baião gênero musical foi inspirado no baião gênero de literatura popular oral. É o baião dos violeiros repentistas nordestinos", afirma.
Essa também é a opinião de um músico que se consagrou tocando o mesmo instrumento que Luiz Gonzaga popularizou no Braisl. O sanfoneiro Waldonys, cearense de Fortaleza, toca há 20 anos como músico profissional e tem no currículo a gravação de um disco com o Gonzagão quando tinha apenas 15 anos. Ele conheceu, conviveu e tocou com Luiz Gonzaga. “Para mim, foi ele que criou o baião, tempos depois acelerou o ritmo, colocou um baixo adiantado, foi mexendo daqui e dali e aí que virou o forró como é conhecido hoje”, conta.
Waldonys explica que a musicalidade trazida por Luiz Gonzaga era completamente original para a época, porque ele inventou uma nova forma de tocar a sanfona, criando uma técnica que hoje é imitada por todo sanfoneiro que se preze. “Ele começou com o jogo de fólio. Isso deu um swing novo nesse estilo. Tem um molho que foi expresso pela primeira vez na canção “Vira e mexe”, exemplifica. “O que eu conheço de forró da minha vida desde a década de 1980 para mim foi criado pelo seu Luiz Gonzaga. O que podem ter feito é usar o nome e não estar fazendo o ritmo”, conclui Waldonys.